Aprender a observar a relação que existe entre o desenho, o material utilizado e o gesto que gera os traços, com suas diferentes qualidades de força, velocidade, direção, ataque, comprimento, amplitude, regularidade. Conhecer e ter liberdade de escolha entre materiais simples ou sofisticados, com eles produzir a própria arte e vê-la exposta. Foi toda esta experiência que no último sábado, 13 de julho, a artista visual Adalgisa Campos levou aos adolescentes de Demerval Lobão, no Piauí.
Na estreia do minicurso “Gesto e Desenho”, que faz parte da série de oficinas itinerantes do Cidadania Jovem e chegará também às demais cidades que participam do projeto, o encontro começou com uma roda de conversa. “Falei um pouco sobre essa relação entre desenho, material e gesto, do repertório de materiais, de ações e de imagens que a gente tem para estudar e aprender a desenhar”, conta a artista.
Adalgisa não só falou, mas também apresentou aos jovens diversos tipos de instrumentos e materiais para desenhos e mostrou uma seleção de trabalhos realizados ao longo da história por diferentes artistas. Obras da Renascença, de artistas modernos, contemporâneos, performáticos. Desenhos em papel e em vídeos. Ela se surpreendeu com a reação dos adolescentes, tanto nos comentários que fizeram sobre as obras, momento que chama de “partilha das impressões sobre as imagens”, quanto na escolha e na utilização dos materiais, dispostos em estações de trabalho.
O objetivo era mostrar um leque de possibilidades e valorizar os diferentes tipos de materiais, desde os mais simples e acessíveis, como carvão e bambu, até os que os jovens não conheciam, como pastel seco, ou que nunca tinham usado, como a tinta nanquim. “Fiquei muito contente com o retorno deles. Teve adolescente que veio perguntar, no particular, como era a tinta, como é que usava, onde encontrava. Outros queriam aprender a fazer as penas com o bambu, então fizemos algumas juntos. Achei muito bonito ver isso acontecer”.
Espalhados pela quadra da escola que abriga o Cidadania Jovem, os adolescentes se concentraram na produção dos desenhos. “Pedi, mas não dirigi a forma como iriam experimentar os materiais. E as respostas foram muito interessantes. Eles mandaram ver, exploraram tudo de uma maneira muito livre, espontânea, como a gente esperava que acontecesse,” conta Adalgisa.
Os desenhos produzidos foram expostos em dois grandes varais. Houve uma certa timidez de alguns jovens para falar das próprias criações, mas todos os trabalhos receberam uma atenção cuidadosa de Adalgisa: “Eu busquei valorar as imagens, chancelar os produtos visuais que eles estavam construindo tanto quanto as imagens que mostrei na apresentação. Proporcionar que os adolescentes se olhem e vejam as imagens que construíram sendo expostas é precioso como experiência. Pelo menos essa é a intenção e a esperança”.
Para ela, experiências como a do sábado impactam na autoimagem e nas possibilidades que os jovens têm de lidar com a realidade e os símbolos com os quais são confrontados. “No final das contas, acho que é para isso que serve a arte, para todo mundo. No caso dos adolescentes, especialmente os que estão em situação de vulnerabilidade social, essa utilidade é mais aguda, mais urgente. ” avalia Adalgisa, que ministrou o minicurso também para os monitores do Cidadania Jovem, na noite de sexta-feira (12), como complemento às capacitações do projeto.
Sobre a artista
Adalgisa Campos é graduada em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo), pós-graduada em Pesquisa Cromática pela École Nationale Supérieure des Arts Décoratifs (Paris, França), e mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Partindo da prática do desenho, desenvolve trabalhos bidimensionais, instalações, vídeos e performances, com os quais já participou de diversas exposições no Brasil, França, Alemanha e Canadá. Dedica-se desde 1998 ao ensino de artes em diversas frentes, tendo sido professora no Centro Universitário Belas Artes e diretora da divisão de Ação Cultural no Centro Cultural São Paulo.
Tem ainda quase 20 anos de experiência no ensino a adolescentes e já atuou em entidades sociais e escolas dos níveis fundamental e médio. Ao lado de Paulo Camillo Penna dirige, desde 2005, a Casateliê, espaço independente de arte em São Paulo.