CJ produz Manual sobre saúde dos adolescentes para o SUS

Documento chegará aos profissionais da Atenção Básica de todos os municípios brasileiros

Ainda este ano os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) terão acesso a um Manual Técnico contendo as iniciativas da linha de cuidado à saúde do adolescente na Atenção Básica. No documento constam princípios éticos e legais do atendimento, orientações sobre o acolhimento do adolescente e organização dos processos de trabalho das unidades para esse público. O Manual faz parte do projeto Cidadania Jovem, desenvolvido pelo IPADS (Instituto de Pesquisa e Apoio ao Desenvolvimento Social), em parceria com a Bayer e com apoio do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde).

A coordenadora do Cidadania Jovem, Carmen Lavras: temáticas específicas da adolescência e abordagem integral do processo saúde-doença

“Além de outras iniciativas no campo da educação de adolescentes, o Projeto se propôs a tratar temáticas específicas de saúde presentes tanto no universo de interesse desse grupo populacional (adolescentes), como nas demandas que se apresentam cotidianamente nos serviços do SUS, sempre numa perspectiva de abordagem integral do processo saúde-doença. Nesse sentido, o Manual se propõe a abordar temáticas variadas, relacionadas à sexualidade, planejamento familiar, uso de substâncias psicoativas, cuidados com o próprio corpo e desenvolvimento biopsicossocial próprio dessa fase da vida, entre outras”, explica a coordenadora do Cidadania Jovem, a médica sanitarista e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carmen Lavras.

“O ‘Manual Técnico para o Cuidado à Saúde  do Adolescente na Atenção Básica’ tem como objetivo fornecer aos profissionais dos 5.570 municípios uma visão global do que é importante eles saberem, para que  estejam capacitados para o atendimento dessa faixa etária tão vulnerável na nossa sociedade”, complementa a doutora responsável pela disciplina de Medicina do Adolescente da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Lília D’Souza Li. Ela divide a autoria do Manual com a médica Elizete Prescinotti Andrade, especialista em adolescentes e mestre em pediatria, e a dentista sanitarista  doutora em Saúde Coletiva Juliana Pasti Villalba.

Avaliação de riscos

O documento utiliza referências do Ministério da Saúde, Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e Organização Mundial da Saúde para reunir o conjunto de atividades e formas de atuação que devem compor a assistência. “Tentamos acompanhar e respeitar ao máximo o que já foi produzido pelo Ministério da Saúde, mas com uma abordagem um pouco mais dinâmica e mais prática possível sobre o que os profissionais realmente têm de fazer, com uma visão mais moderna, pensando nas necessidades do jovem do século 21”, diz Lília.

Para a médica Lília D’Souza Li, é importante que os profissionais estejam preparados para a avaliação de riscos na adolescência

Gravidez precoce, transtornos mentais, uso de drogas e mortes por Causas Externas (entre elas os homicídios e suicídios), ganham destaque no documento. “Essas questões têm se agravado muito na nossa sociedade. E o interessante é que normalmente um adolescente não está só com depressão, ou só usando drogas, ou só fazendo automutilação. De um modo geral, todos esses riscos estão associados. O que o manual oferece são instrumentos para que o profissional esteja minimamente preparado para fazer a avaliação de risco. E o mais importante: que ele saiba como intervir nessas questões”, explica Lília.

Mas, mesmo com tantas vulnerabilidades, os adolescentes têm boas condições gerais de saúde e não costumam procurar os serviços para as ações de prevenção. E quando aparecem em outras situações, como em consulta ao dentista ou para tomar vacina, muitas vezes não são percebidos pelas equipes da Atenção Básica. “Eles têm de ser vistos na unidade, eles estão lá. Não se pode perder a oportunidade de fazer uma intervenção de prevenção ou mesmo de acolhê-los para que retornem à unidade”, observa Elizete.

Encarregada da seção de Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva do documento, ela defende as parcerias, especialmente com as escolas, para captação dos jovens: “O que a gente coloca como importante é a possibilidade de o adolescente agendar uma consulta estando na escola. Ou o profissional da UBS vai à escola ou alguém da escola vem à UBS”, sugere. 

De acordo com o Manual, fazer com que o adolescente seja bem recebido é de responsabilidade de todos os funcionários da UBS. O acolhimento amigável e o estabelecimento de vínculo de confiança são pontos fundamentais.  Uma das orientações é para que os médicos dediquem os três primeiros minutos da consulta para a criação desse vínculo, abordando algum assunto que o paciente goste ou tenha facilidade para falar – sobre a camisa de futebol que ele está usando, por exemplo.

Nas questões legais, o documento aborda os direitos do adolescente ao atendimento sem a presença dos pais ou responsáveis e ao sigilo das consultas, de acordo com o Código de Ética Médica e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O sigilo só pode ser quebrado em situações de risco à saúde do paciente ou de outra pessoa, como violência doméstica e/ou sexual, que devem ser denunciados ao Conselho Tutelar ou ao juiz da Vara da Infância e da Juventude, com o conhecimento do adolescente.

Métodos anticoncepcionais

Também fazem parte do Manual informações sobre as Infeccções Sexualmente Transmissíveis, anticoncepção, pré-natal na adolescência, procedimentos durante os exames ginecológicos e andrológicos e até formas de organizar as farmácias da unidade para facilitar o acesso dos adolescentes aos métodos anticoncepcionais.

A médica Elizete Prescinotti Andrade, que escreveu sobre Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva: sem crenças pessoais no atendimento

Ao descrever os diferentes métodos ofertados pelo SUS (preservativo, pílulas e DIU, (Dispositivo Intra Uterino, com cobre e com hormônio), e também outras opções presentes no mercado, Elizete orienta os profissionais a considerar as condições individuais para aquisição e utilização dos anticoncepcionais: “Muitas vezes a família não sabe que a adolescente usa determinado método, então é preciso ver o que é melhor para ela, e que ela não precise deixar exposto. O Manual tem todas as opções”. 

O mais importante, de acordo com a médica, é que o profissional esteja aberto, livre de preconceitos ou julgamentos diante de quaisquer relatos. “Mesmo que ele tenha crenças pessoais, que essas crenças fiquem no pessoal mesmo, e que na atenção ao adolescente ele siga as regras estabelecidas tanto pelo Código de Ética Médica como pela Sociedade Brasileira de Pediatria, Febrasgo e Ministério da Saúde”.

Acompanham o Manual um quadro síntese com vários itens que levam à pesquisa mais detalhada em encartes (ou hiperlinks, na versão informatizada), sobre ações, encaminhamentos e recursos humanos e materiais que devem ser ofertados na unidade em todo o fluxo de atendimento aos adolescentes. “O manual técnico, o quadro síntese e os encartes se complementam e são importantes não só para orientar os profissionais, mas também para integrar o serviço e as práticas profissionais”, finaliza Juliana Villalba.