Pandemia: Direito à Vida e Economia

 Texto de Domenico Feliciello¹

O direito à vida não é somente viver, mas sim viver com dignidade, com o mínimo de cidadania, viver com qualidade de vida, com liberdades, prazeres, alegrias, incluindo o direito à integridade moral e física e, à privacidade, entre muitos outros (Paula G. R. D. Alencar)

 

Nestes tempos de pandemia da COVID-19 muito se discute sobre a necessidade de isolamento e “lockdown” para possibilitar controle de casos e óbitos, assim como a adequação dos serviços de saúde, com o objetivo de prover assistência e tratamento adequado, com acesso a todos que necessitam.

Por outro lado, temos assistido posicionamentos diferentes, originados de vários setores econômicos e mesmo de governantes, insistindo que o isolamento leva à crise econômica, à queda do PIB e ao desemprego e, por consequência, à elevação da mortalidade, que pode ser maior do que a própria mortalidade causada diretamente pela pandemia.

Esta discussão está instalada nas sociedades levando ao surgimento de uma série de argumentos contra e a favor, que buscamos resumir adiante, com o objetivo de subsidiar as decisões e ações quanto às melhores formas de conduzir o controle da pandemia.

No caso do Brasil vale a pena assinalar, inicialmente, que o direito à vida se constitui num dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, expresso no seu artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Assim, ninguém tem o direito de se desfazer da vida humana, do outro, pois estará sujeito a sofrer as sanções expressas nas leis do ordenamento jurídico de nosso país.

No entanto na presente pandemia coloca-se em discussão como preservar mais vidas, através do isolamento e do controle da epidemia da COVID-19, ou com o relaxamento desse isolamento e retorno às atividades econômicas, o mais rápido possível.

Vários estudiosos têm se debruçado sobre esta questão, alguns demonstrando o número de óbitos que deixaram de ocorrer com as ações de isolamento e lockdown e, outros argumentando que a liberação precoce do isolamento não significa que, necessariamente, teremos menor queda do PIB e, portanto, uma crise econômica mais branda.

Ou seja, o isolamento pode prevenir mortes, mas os problemas econômicos vão acontecer com ou sem isolamento.

Neste último aspecto é preciso considerar que mesmo com o retorno às atividades econômicas, devem ser continuadas as ações de prevenção, tais como uso de máscaras; intensificação de medidas de higiene pessoal; distanciamento social, evitando aglomerações; diminuição do  horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, entre outros, o que por si só, já vai diminuir o desenvolvimento econômico.

Além dessas questões é preciso ponderar que uma parte da população não vai retornar ao trabalho, seja por medo de se contaminar ou por medo de contaminar os familiares, ou, ainda, pela necessidade de cuidar de seus familiares.

Por outro lado, os trabalhadores contaminados deverão se afastar do trabalho para cumprir quarentena, assim como deverão ser investigados os contactantes no trabalho para descobrir novos contaminados, que também deverão ser afastados.

Alguns estudos mostram também que nestas épocas de crise as famílias e as empresas tendem a não gastar e não investir; os investimentos externos diminuem com medo da falta de controles; e, não existem dados consistentes que relacionam queda do PIB e crise econômica temporária com aumento da mortalidade.

Ou seja, estas várias situações, com o relaxamento do isolamento, irão se refletir negativamente no desenvolvimento econômico, sem contar os gastos maiores com a assistência aos contaminados que serão em maior quantidade.

Por outro lado, uma crise econômica transitória tem grandes chances de ser suplantada pelas sociedades. Isso, sem contar que a perda de vidas se constitui em um fato irreparável e sem retorno.

Portanto, com ou sem isolamento haverá crise econômica, mas com isolamento evita-se número de contaminados e de óbitos elevados, conforme já constatado nos países que realizaram um isolamento mais consistente.

Os dados mostram também que nas sociedades com índice de isolamento acima de 70% conseguiram um controle da epidemia em menor tempo.

Por outro lado, vários estudos mostram que o aumento de mortalidade por questões econômicas está mais relacionado com as políticas de austeridade fiscal, de longo prazo, que se propõem a fornecer estímulos econômicos aos diversos setores produtivos, concomitante à retirada ou diminuição de direitos dos cidadãos, incluindo reformas previdenciárias, flexibilização dos contratos de trabalho, diminuição de orçamentos para saúde, educação, promoção social e ciência e tecnologia.

Assim, considerando que a crise econômica estará presente de qualquer modo, advertimos que as prioridades das sociedades e dos governantes devem se concentrar no controle da epidemia e na queda dos óbitos e, na oferta tanto de ações de atenção à saúde a todos de forma igualitária, como de proteção social para preservar a renda e a sobrevivência dos grupos mais afetados.

O relaxamento do isolamento deve se pautar pelo acompanhamento adequado da pandemia, com a implantação de exames massivos para detectar o vírus SARS-CoV-2 nos que apresentam quadro suspeito e, caso positivo, nas pessoas de seu contato.

 

 

1 Domenico Feliciello é doutor em Saúde Coletiva pela UNICAMP e atuou na área de Educação Médica e Saúde Pública em Campinas e região. Atualmente é pesquisador do NEPP UNICAMP, desenvolvendo projetos de fortalecimento do SUS e associado do IPADS.

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